quarta-feira, 8 de maio de 2024

Fruta Estranha

Acho que perdi a noção do que sou,
Mas em medo me caracterizo
Num prefácio sem fim. 

Prolongada introdução sem juízo. 


Formatei-me numa só vontade:

Amontoar o mundo num dilema

Ao colorir o meu orgulho ferido

Numa palavra órfã de poema.


Sou uma repetição entristecida.

Uma espera de corrida desvairada

Sem ter destino e hora de retorno. 

Uma passagem gasta e consumada. 


Sou o inútil que perdeu a temperança.

Fiquei apenas com o corpo que envelhece 

E com o espírito do criador enraivecido. 

Sou fruta estranha que apodrece. 

quinta-feira, 25 de abril de 2024

Ser poema

Há um desejo de encontrar a palavra
Que me transmita sem dar a ideia errada:
De que amar em verso é história já datada.

Procurar ser transparente num só festejo,
Dissecar a mente e enganar com gracejo
É ser poema com todo ou nenhum desejo. 

A ideia é empilhada em linha organizada,
É-lhe dada uma função de fachada.
Liberdade com expressão por si trancada.  

É forma de ser numa canção querida.
Seu desejo é ter o mundo e ser medida
Poder sentir o vazio de uma dor fingida. 

sábado, 6 de abril de 2024

Loucura

Ouve-se um rumor de que há loucura,
Estilhaço de vozes que anuncia.
O silêncio queima, a confusão perdura,
Escultura tão inocente e fria.
 
No rosto sereno não se afigura
O grito encoberto da melancolia. 
A noite é clara, a tarde obscura,
Clausura de bruma pálida e vazia.
 
Bela feição que não recusa
A longa espera da inconsciência. 
Corpo dormente, a fatiga acusa 
A intrusa sorte da decadência. 


Giovanni Strazza "La vierge voilee" | Исторические фотографии, Мраморная  скульптура, Скульптура бернини
(La Vierge voilée, de Giovanni Strazza)

sábado, 23 de março de 2024

Por mais um século

Fomos abandonados pelo excesso 
e no seu desgosto resta a sombra das árvores 
que não se inquietam com a multidão. 
 
Um homem espera o hábito
e, com uma pedra na mão, 
afugenta o silêncio. 
 
É apenas uma verdade distraída,
que caminha entre as ruínas
da propaganda inabitável.  
 
Essa casa vazia não se transforma em afeto. 
Existe uma falta absurda,
uma insónia persistente e fria.
 
Insólito? Não. 
Não julgo o espelho quando há cegueira. 
A ignorância de cabeceira tem vida curta. 
 
É irremediável este sono profundo.
O homem que adormece no caos, 
adia-se por mais um século. 

sexta-feira, 1 de março de 2024

Celebração

Nesta terra já não existe vida. 
Existe a morte e o seu contrário. 
Oposta ao sol, cuidar é ferida
Num corpo que resta, solitário. 

Armadilha na celebração do herói
Que pesa, por estes dias, dissimulada.
Uma paródia de cinza que destrói 
A justiça, vezes mil sepultada. 

Amontoado fim, disforme e pestilento.
Cobre as sobras com a justificação.
A verdade não se dá em alimento.
Falta fome de vida, celebração.